Naquele fluido que alimenta, impera o sossego. Um verdadeiro berço cálido que aconchega e protege. Quem não se acostumaria a esse dolce far niente!
Um dia, porém, esse mar de tranquilidade acaba e começa uma etapa em que a antiga calmaria nunca mais se fará presente.
Mas ela, a que protege, estará diuturnamente à disposição para os tropeços, incertezas, dúvidas, medos, angústias, dissabores e todos os reveses que essa nova etapa de vida aprontar.
Não esqueçamos que ela, a MÃE, como versejou o nosso Mário Quintana, é do tamanho do céu e apenas menor que Deus! Com certeza, um jogo de palavras e de significados poéticos do nosso vate tão querido. Portanto, digo eu, puro amor, um amor incondicional aos seus filhos, a exemplo DELE.
Os textos que seguem descrevem, sob duas diferentes construções literárias, o mesmo tema tomado do passado, mas presente na memória e, aqui, registrado para o futuro: a proteção que a figura da mãe representa.
A seguir, assistam aos dois vídeos que seguem. Num, Mário Quintana revela-nos, por inteiro, o seu poema MÃE. Noutro, Zeca Pagodinho interpreta TREM DAS ONZE de Adoniran Barbosa. A letra trata de retribuir os cuidados que tal mãe dispensou àquele filho único. Espera-se, claro, que não seja um migué que o malandro está dando para justificar a despedida.
A avalanche agiganta-se a cada dia que passa. Sentimo-nos já meio soterrados. E a cada noite, desfilam à nossa frente um número cada vez maior de desastres e tragédias de toda a ordem e tipo.
Elencamos, abaixo, as notícias veiculadas durante uma semana, em dois jornais televisivos de abrangência nacional. O papel da imprensa é, sem dúvida, o de informar. Daí sua importância relevante. Nada, portanto, contra a imprensa.
Vejamos, por tópicos:
Guerras
Violência
Crimes de todos os tipos: nas ruas, em favelas, no seio familiar.
Fraudes de todo o tipo: contaminação, adulteração, validade vencida.
Cenas de selvageria em estádios de futebol
Greves
Cenas de descaso com a Educação
Cenas de descaso com a Saúde
Segurança deficitária para os cidadãos
roblemas graves na produção de energia
Mananciais de água para abastecer cidades sob-risco iminente de colapso
Esgotamento das reservas para produção de energia
Custos cada vez mais altos para prospecção, em terras profundas, de materiais combustíveis.
Em apenas sete dias, todos esses gravíssimos assuntos, recheados por imagens impactantes, mergulharam em nossos olhos e mentes.
Milhares de nós já estão submersos em muitos desses dramas. Outros tantos, não o sentem diretamente, mas são fortes candidatos a serem atingidos por alguns desses desastres. Alguns outros, talvez, demorem um pouco mais para chegar a esse nível caótico que se desenha.
Percebe-se que, na verdade, mesmo aqueles cidadãos, que ainda não se sentiram atingidos diretamente, já o são na medida em que recebem esse bombardeamento visual contínuo e diário.
Como navegar em meio a essa avalanche?
Sem olhar para trás, embora lá se encontrem experiências que não deram certo e que, por isso, não devemos repeti-las?
Sem olhar para os lados, pois nos deparamos com situações e pessoas do nosso cotidiano que, da mesma forma, nadam em meio à mesma avalanche?
E olhar para frente é ainda a solução?
Sim, ainda é o caminho. Outro, não há.
Por menor que seja o ponto luminoso à frente, é para lá que deveremos mirar.
Cada um construirá, pouco a pouco, mecanismos de defesa próprios que o livrarão, dentro do possível, da desesperança que se abate diante de tal realidade.
Lembrei-me daquela professora dedicada que, todas as manhãs, preparando-se para enfrentar um dia de trabalho, ouvia uma determinada rádio, aguardando o noticiário. Ocorre, porém, que tal noticiário era precedido por um programa, cujo apresentador, invariavelmente, atribuía aos professores, da época, todos os males da Educação. Tudo porque eles reivindicavam dignidade de tratamento, remuneração condizente com a relevância do cargo e escolas com infraestrutura adequada.
Diante desse bombardeamento diário, a tal professora passou a não ouvir mais o referido programa. E o noticiário acabou também prejudicado. Cortou ela aquele gatilho que a desestimulava, tornando o seu início de dia totalmente pesado, sombrio, carregado de inconformidades que lhe produzia uma sensação de derrota.
A receita, talvez, seja então descartar o que prejudica o nosso olhar e os nossos ouvidos. Considerando-se, aqui, aquilo que os meios de comunicação nos apresentam e não nossos irmãos que se encontram jogados nas calçadas. Esses devem ser olhados com um olhar de questionamento para com os deveres do Estado.
Michel Lacroix, conhecido filósofo, afirma em seu livro O CULTO DA EMOÇÃO, edição 2011, página 165:
“Daí a superioridade da leitura em relação ao consumo de imagens.”
Defende, igualmente, o cultivo da emoção-sentimento em detrimento da emoção-choque, que é paradigma da modernidade.
De qualquer sorte, estamos todos quase submergindo nessa avalanche de desmandos, corrupção e descompromisso com o cidadão e com o planeta.
Nada que não tenha solução, segundo Domenico De Masi, em seu livro O FUTURO CHEGOU, 1ª edição, ano 2014.
O renomado sociólogo discorre, em sua alentada obra de 736 páginas, 14 modelos de sociedade que marcaram a história social do mundo, destacando-se os modelos católico, hebraico, muçulmano, protestante, clássico, iluminista, liberal, capitalista, socialista, comunista, chegando aos dias atuais com o modelo pós-industrial. O último capítulo, o de nº 15, com 90 páginas, é dedicado ao Modelo Brasileiro, que acredita ainda em formação.
Pela leitura depreende-se que estamos com a faca e o queijo nas mãos. Há quem discorde, porém, das assertivas propostas por ele com relação ao Brasil.
Domenico De Masi acredita que ideologias já desapareceram, bem como seus líderes. Os modelos tradicionais não mais satisfazem. Estamos, portanto, segundo ele, desorientados. A sociedade planetária está sem rumo, sem um modelo a seguir.
E como imaginar um modelo único para tantas diferentes sociedades?
Lança ele a ideia de que, talvez, caiba aos intelectuais dar um sentido à vida e, consequentemente, um modelo para essa sociedade pós-industrial. Logo após, porém, diz não caber apenas aos intelectuais a busca desse novo modelo. Que as sociedades, através de suas manifestações, inclusive de rua, poderão promover mudanças necessárias que busquem a formação de um novo modelo de sociedade.
E deposita no Brasil, país que, segundo ele, possui todos os elementos reunidos para desfraldar a bandeira do novo paradigma para a sociedade planetária. Muito ambicioso? Muito ufanista? Muito irreal? Talvez, não.
O livro merece leitura e a parte relativa ao Brasil, mais ainda.
Tece elogios à mestiçagem, à natureza, às pessoas e à própria economia. Ressalta a contribuição dos cientistas sociais brasileiros na elaboração de um modelo brasileiro de sociedade.
Embora alguns contestem, há uma democracia racial. Pode não ser ainda plena, mas está longe de sociedades que cultivaram um apartheid feroz.
De Masi menciona Stefan Zweig, dramaturgo, musicólogo, jornalista e poeta austríaco, naturalizado britânico, que, em 1941, teve a possibilidade de permanecer no país por algum tempo. E encantou-se com a coexistência pacífica, considerando-se a multiplicidade de raças, classes, cores, religiões e convicções.
Corremos, porém, o risco de perdermos a possibilidade de sedimentar essas nobres qualidades. Se continuarmos repetindo modelos já esgotados e que se mostraram destrutivos para as sociedades e o planeta, não atingiremos os prognósticos de vários intelectuais que viram e, ainda, veem na nossa sociedade a possibilidade de um novo modelo societário. Repito, vale a leitura do capítulo referente ao Brasil.
Domenico ainda aponta, na página 707, os valores positivos que persistem na sociedade brasileira, bem como elementos novos, verdadeiros desafios internos, que se tornaram mais difundidos e que depõem contra esse alavancar de progresso social que estamos a merecer, a saber: corrupção, violência, desigualdades e déficit educativo, entre outros.
Afirma ele que uma pesquisa realizada pelo grupo OCA (Organização de Conhecimentos Associados) de São Paulo, em 2013, indicou que ainda persistem os seguintes valores básicos:
“Ritmo, sensualidade sem complexos, festividade, exaltação dascores e dos sabores, a intercultura, a capacidade de copiar e inventar”, palavras dele.
E continua:
“O brasileiro é informal, trabalha em mangas de camisa e sabe operar em grupo, é fluido nos seus processos de decisão, não tem preconceitos ideológicos, aprende fazendo, tende a conjugar o trabalho com o divertimento, presta serviços de modo atento, afável e afetuoso.”
“O sucesso, obviamente, dependerá de sua capacidade de mobilizar-se, organizar-se, tornar explícito um projeto compartilhado, buscá-lo com tenacidade, agir com maior racionalidade sem perder a simpatia, modernizar-se sem comprometer a sustentabilidade, ser menos tolerante, superficial, improvisador sem perder a criatividade.”
E finaliza:
“Nenhum outro país é amostra igualmente representativa e metáfora igualmente significativa do mundo inteiro na sua atual fase evolutiva. A mestiçagem, que foi prerrogativa do Brasil, hoje torna-se normalidade em todo o planeta, onde está em curso a mais importante mistura de todos os tempos, determinada em nível físico pelas grandes migrações e, em nível cultural, pelos meios de comunicação e pela rede”.
“O Brasil e seus intelectuais podem contribuir em medida determinante para essa reinvenção porque – como já registrava Darcy Ribeiro – a gente brasileira “sob a influência imperceptivelmente relaxante do clima, desenvolve uma menor força de colisão, uma menor impulsividade e dinamismo” – ou seja, exatamente as qualidades que hoje são dramaticamente supervalorizadas e consideradas como valores morais de um povo”.
Portanto, acho, sinceramente, que o Brasil tem jeito, tem futuro. Bastará que sua sociedade torne-se atenta, reivindicadora, fiscalizadora e com uma postura igual a do girassol, seguindo o seu belo exemplo que é sempre o de buscar a direção de onde vem a luz. Ela é que nos alimentará, dando-nos energia, para seguirmos buscando melhores tempos.
Fiquem, agora, na companhia de Jorge Ben Jor e seu País Tropical, numa versão mais modernizada, onde o fusca da letra virou carro, o violão, guitarra cantante e a nega continua deliciante. E de acréscimo o seu Spyro Gyro, onde a sensualidade brasileira está bem representada. E, logo após, uma bela mensagem que o girassol nos transmite através da sua busca incessante pela luz do nosso astro-rei.
Não sei se, algum dia, não mais usaremos a caneta ou o lápis para irmos juntando letra por letra e construindo palavra por palavra. Talvez, percamos a habilidade manual de desenharmos as letras. Esse construir que exige paciência e bem mais tempo do que um clicar numa tecla ou encostar o dedo sobre uma letra em uma tela.
O que sei é que precisaremos continuar a nos derramar em versos, isso para aqueles que assim se expressam. Para os demais, a correnteza de palavras, que jorra ideias em textos bem elaborados, deverá permanecer existindo, igualmente.
Nada mais humano do que pensar. Expor essa reflexão num texto, porque ainda não cercearam, pelo menos em regimes não totalitários, essa capacidade humana de expressão, é o objetivo concreto do pensar.
Escrever é preciso, porque leitores existem para todos os gêneros literários.
Há quem preferirá ler num tablet o que, para alguns tipos de textos narrativos, como um romance, por exemplo, será algo meio complicado. Acho que se perderá, dado o volume de páginas e o tipo de mídia impressa, aquela sensação de individualidade que cada um imprime no ato da leitura como virar a página, fazer observações à margem do texto, desligar-se do entorno, suspender a leitura com a devida marcação, coisas desse gênero. Para textos menores, como poesias e crônicas, não haverá maiores problemas, creio.
Esse, talvez, seja um pensamento obsoleto. Mas o homem continua o mesmo na essência. Precisa deixar suas marcas naquilo que se encontra em suas mãos. É como se fosse um carimbo individual. Poderá, um dia, voltar a folhear as mesmas páginas e lá encontrar uma mancha sobre a página 30, marca indelével de uma lágrima que lá permaneceu junto às anotações ao pé da página. Devaneio? Coisas dos séculos passados? Não sei, não!
Para mim o ser humano continua sendo o mesmo da época da escrita cuneiforme, dos hieróglifos ou já dos tipos móveis de Johannes Gutenberg. Razão e sentimentos foram, sim, aprimorando-se. O processo civilizatório trouxe esse benefício. O que não pode ocorrer é um retrocesso como a possibilidade de perder-se a capacidade de crítica por faltar o exercício do pensar. É necessário que se cultivem formas de reflexão desde tenra idade, ainda na Escola Fundamental, para que não se formem cidadãos multiplicadores de discursos impostos, ardilosamente, por quaisquer detentores de poder.
Por isso, grupos formadores de opinião, abertos ao diálogo, que propiciem esse ambiente, sempre serão bem-vindos. Programas de debates na mídia televisiva, associações culturais voltadas às artes, à literatura e projetos educativos, que visem ao desenvolvimento de capacidades na área do pensamento, são grandes alavancas para uma sociedade que busca o desenvolvimento verdadeiro para todos.
É necessário que coloquemos nossas ideias para o grupo e oportunizemos ao outro a mesma possibilidade. Assim, acredito, constrói-se uma sociedade: a partir do consenso obtido dessa exposição, através da reflexão.
E nada melhor do que aprender a pensar e refletir. Depois? Colocar no papel o produto da reflexão. Isso se aprende na escola. É para isso que ela existe. Mas, esse já é um assunto para outra crônica.
O que importa é alertar para a necessidade de se cultivar o hábito da leitura e da escrita.
Para quem aprecia versos, seguem dois tímidos exemplos.
Há, porém, quem necessite, mesmo poetando musicalmente, dizer ao seu amor que o ensine a escrever, para que ele, seu admirador, possa fazer um poema a ela, mesmo que esse não saia bonito. É o que, no vídeo abaixo, nos entrega Oswaldo Montenegro.
É! Escrever é preciso. Está no nosso DNA.
Do poeta Mario Quintana, de sua CARTA, publicada no Caderno H, extraímos esse trecho que descreve parte do trabalho poético, referindo-se, também, aos textos discursivos e expositivos.
“Quanto a escrever para os contemporâneos, está muito bem, mas como é que vais saber quem são os teus contemporâneos? A única contemporaneidade que existe é a da contingência política e social, porque estamos mergulhados nela, mas isto compete melhor aos discursivos e expositivos, aos oradores e catedráticos. Que sobra então para a poesia? – perguntarás. E eu te respondo que sobras tu. Achas pouco? Não me refiro à tua pessoa, refiro-me ao teu eu, que transcende os teus limites pessoais, mergulhando no humano. O Profeta diz a todos: “eu vos trago a Verdade”, enquanto o poeta, mais humildemente, limita-se a dizer a cada um: “eu te trago a minha verdade”. E o poeta, quanto mais individual, mais universal, pois cada homem, qualquer que seja o condicionamento do meio e da época, só vem a compreender e amar o que é essencialmente humano”.
O homem, reafirmo eu, continua o mesmo na sua essência: pensante, reflexivo e dotado da capacidade de compreender e amar. Daí sua universalidade. Cabe à sociedade, que se diz civilizada, aprimorar essas marcas que o distinguem dos demais seres.
Pensar e Escrever são características próprias desse ser. Por conseguinte, a capacidade criativa em todos os campos do pensamento é a sua marca. E são ideias e não força que mudam o mundo. É o que diz a conhecida frase, transformada em chamada provocativa pela Globo News.
Portanto, devemos nelas investir para melhorarmos a espécie humana.