Desapareceu. Seus dois ovinhos foram levados para não sei onde.
Desistiu de ali permanecer. Talvez, o local não fosse seguro para aguardar o nascimento dos novos seres.
Seu companheiro, por alguns dias, carregou gravetinhos e raminhos para formar um ninho.
A janela, à noite, era fechada. Embora a persiana ficasse afastada, quando baixada, o movimento e o barulho foram sinais de alerta para a mãe extremosa.
O sumiço deu-se em uma manhã. Ficaram, ali, apenas os raminhos.
Diferentemente do que ocorre com o sujo cobertor daquele ser que dorme, todas as noites, sob a marquise daquele prédio de esquina de uma rua bastante movimentada.
O cobertor, que tem dono, continua no mesmo local, faça chuva ou faça sol.
Quem por ali passa desvia o olhar, para não se sentir igual, mas é um ser igual ao que jaz na calçada.
O nome do condomínio, que o acolhe, chama-se Porto Seguro. O nome, talvez, seja convidativo. Quem sabe, as marquises, por serem alongadas, oferecem uma sensação de proteção.
Quem de nós, diante do quadro que se nos apresenta, é capaz de manter-se feliz e esperançoso?
A resposta, para que o cenário mude, é que tenhamos esperança, pois isto tudo vai passar.
Algumas etapas dessa gradativa mudança aparecerão no momento adequado.
Assim como as árvores, naquele quintal abandonado, estão verdejantes, pois a chuva e o sol são remédios eficazes para mantê-las saudáveis, nossas expectativas para novos tempos estão sendo, também, monitoradas por quem detém poderes para tanto.
Mantenhamos nosso olhar em busca do belo, pois ele existe e permanece entre nós. Nosso olhar vê, enxerga, mas, também, pode criar e tornar factível o que poderia parecer improvável.
O que pensar de quem em nada contribui para uma mudança tão necessária em nossa sociedade?
Nosso olhar amoroso e solidário tem que permanecer atento. Uma palavra de conforto faz toda a diferença diante de quadros de miséria humana tão deprimentes.
Buscarmos possíveis auxílios e soluções já seria um meio para que seres humanos não permaneçam nas sarjetas da vida.
E se as chuvas aparecerem e inundarem aquelas calçadas?
Que abrigos acolham estes seres ali jogados! A chuva e estes seres fazem parte do cotidiano de nossos bairros e cidades.
Aquele imundo cobertor
Aquele imundo pé
Aquele olhar constrangedor
De quem diz ter fé
Sejamos mais partícipes. A hora está aproximando-se.
Invistamos em nomes que representem mudanças reais de atitudes.
Precisamos mudar o cenário de nossas marquises.
Que a chuva que, ainda, nos ameaça seja apenas de alimento para nossas plantações, para nossos jardins, para nossos rios, riachos e lagoas. Que não faça parte da cama daqueles que não a possuem.
Que o bem-te-vi, que canta nos finais de tarde, seja um carinho aos nossos ouvidos. Um sinal de que há a possibilidade de vermos nossos irmãos ressurgindo dessa podridão em que se encontram.
Um bem-te-vi que cante a mudança possível para aqueles que ainda permanecem nessa condição.
Um bem-te-vi que acompanhe, com seu canto, a possível inserção desses indivíduos na condição de cidadãos.
Aguardemos essas novas imagens.
Um bem-te-vi, também, está vendo.
E, igualmente, aguarda.